PUZZLE




Bandeira Nacional
, 1976
Obra composta por nove peças em formato de puzzle.
Técnica mista sobre tela; 207 x 296 cm
Colecção CAMJAP

Grupo Puzzle nos Terceiros Encontros Internacionais de Arte em Portugal / Póvoa de Varzim / 1976

Esta é , no breve espaço de oito meses, a quinta exposição do Grupo Puzzle. Bem sei que a segunda foi repetida em Paris, e que esta nos vem da Sociedade de Belas Artes de Lisboa. Uma tal perseverança, contudo, num momento em que as exposições organizadas no país se vão tornando tão raras, e ao risco que elas comportam é preferida a participação em Salões ou exposições colectivas organizadas no estrangeiro, sem responsabilização alguma dos acolhidos ou dos organizadores, estruturadas segundo critérios (?) que nunca são tornados públicos e rodeadas de mistério e demagogia, uma tal vontade de pôr à prova o resultado de uma experiência única no nosso panorama artístico, são, desde já motivos suficientes para ficarmos atentos ao que este Grupo nos vem propor.
Parece-me que, subjacente a toda a actividade do Grupo, se encontra uma atitude polémica, ressentida com maior ou menor acuidade por cada um dos seus componentes. Deixemos de lado, provisoriamente, a extensão desta atitude ao espaço cultural europeu. Examinemos antes o que ela pode significar no espaço cultural português e, para maior clareza, neste espaço cultural que se procura e se interroga desde o grande choque e a grande esperança que as mudanças políticas e outras nos trouxeram.
Polémica é a posição destes nove artístas desde o início (o célebre jantar/intervenção na Alvarez-Dois), ao acreditarem e ao projectarem-se num trabalho colectivo para o qual nenhum (ou muito poucos) estava realmente preparados, que só lhes anunciava canseiras e preocupações, que sacudia o conforto do trabalho individual e in-discutido, que os a obrigava dialogar permanentemente, e que os lançava numa aventura, num desafio, de resultados imprevisíveis.
Polémica porque, ao escolherem a dificuldade, se inscrevem em contra-corrente em relação a todas as facilidades mais ou menos oficializadas, mais ou menos escolares, mais ou menos oportunistas que foram e são oferecidas àqueles que mais jeito e ambição têm para calcorrear as antecâmaras do poder.
Polémica é a escolha dos temas, a opção por uma temática que recusa a exaltação cega das ideias da moda ou dos grupos que detêm provisoriamente os postos-chave e os lugares de decisão. Assim é que, enquanto nos últimos dois anos o acento tónico ou o acento único foi colocado sobre a intervenção política, o Puzzle se atreve a falar de si próprio, dos problemas familiares e quotidianos, da arte, dos mitos correntes, dos tabus (e a bandeira nacional é um entre muitos) e até, e também, da politica, vista aqui por um pisma irónico, crítico, perigoso (A Paródia, Os Soldados). Polémica na força com que afirma que estes temas são actuais, são importantes, são necessários na sua ingenuidade, no seu impacto sentimental, na sua força de contestação, na sua subversão de valores. Polémica, pois, e trata-se aqui de um corolário da questão anterior, é a escolha desta panóplia de preocupações pessoais e particulares a cada membro do grupo (cada um fez duas proposições) e a maneira como colectivamente as assumem.
Mas não só polémica, não só diferente, é a posição do Puzzle. Também de vanguarda a vejo. E aqui alargo necessariamente o contexto, pois se de vanguarda é a prática do Grupo em portugal, em relação ao que entre nós vai acontecendo e ao que vai sendo criado e proposto, também o é quando comparada às principais correntes europeias, inscrevendo-se naturalmente numa figuração realista, poética, crítica e irónica que começa a emergir após a subrevalorização da pintura/pintura (note-se que ao dizer isto não ponho de modo algum em causa a importância desta corrente).
Vanguarda porquê? Porque o conjunto de factores que constituem a proposta do Grupo é coerente e se situa, na nossa cultura ( e por extensão na cultura europeia) como uma alternativa necessária, justa, actuante, imbricada no presente e voltada para o futuro.
Que caracteriza a prática do Grupo Puzzle? O primado da ideia sobre a técnica (tomada como um meio não como um fim) e sobre a análise da intervenção plástica dos componentes materiais da pintura.
A elaboração de um trabalho colectivo que não só não destrói a especificidade e as características do trabalho individual como ainda, muitas vezes, o reforça e valoriza.
O abordar temas que tinham sido excluídos do vocabulário em plástico em curso.
A maneira como trata esses temas (uma imagem de base comum, recortada em nove rectângulos que serão pintados individualmente), a percepção da imagem global e a tentativa de jogar, no rectângulo individual, com o estilo próprio aos artistas aos artistas a quem foram atribuídos os rectângulos contíguos.
A facilidade com que aproveitam o insólito e o tornam acessível, plausível, quase banal.
O desejo veemente de instaurar um diálogo aberto com os componentes da nossa cultura e com as massas arredadas da arte, e a vontade de sair dos quadros estreitos que nos foram impostos pelo isolamento geográfico e pela incapacidade dos burocrata
Por tudo isto parece-me ocupar o Grupo Puzzle uma posição de vanguarda no campo da arte.
Algumas peças desta exposição julgo notáveis. Cito-as apenas, para vos deixar a maior latitude de análise e maior impacto no prazer: os nove auto-retratos fabulosamente estruturados num tecido de comunicação. Os dois retratos de Albuquerque Mendes. A fachada dos prédios. A coleccionadora. A paisagem com mão ( a proposta era: um quadro verde e azul). os soldados. A paródia. Todos me parecem importantes, e por razões diferentes. Todos testemunham, tal como os restantes, da vitalidade, da originalidade, da fecundidade e da pujança deste grupo.

Egídio Álvaro in Revista de Artes Plásticas nº 7/8, Dezembro/Janeiro 1977.
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